terça-feira, 7 de julho de 2009

Cada coisa em seu lugar


Não avisou que viria e ainda caminhou até aqui com passos silenciosos. Quando chegou me pegou de surpresa, desprevenida. Eu andava meio cansada e há tempos não colocava as coisas em ordem.
A porta estava trancada e eu mal me lembrava onde tinha largado as chaves. Mal me lembrava a última vez que tinha aberto aquela porta.
Entrou sem pressa pela fresta da janela e a abriu por inteira, deixando a luz do sol inundar tudo.
Trazia rosas nos braços, e as espalhou por todos os cantos. Invadindo cada espaço vazio e preencheu com perfumes coloridos.
Começou a colocar cada coisa em seu lugar. Tirou as cortinas que faziam perderem-se os sorrisos. Recolheu debaixo dos tapetes os restos de amores vazios que se escondiam por lá. Esvaziou as garrafas, que guardavam doses de solidão. Pendurou nas paredes, momentos felizes, que lembraria pra sempre. Desatou as pedras que prendiam meus pés e sonhos ao chão.
Seus braços traziam também um lugar pra mim...
Todos os dias, pela janela aberta, como se lá dentro fosse festa, entrava dançando uma brisa leve.
Assim, cada dia tornava-se menos áspero e sorrir tornava-se mais fácil. Em pouco tempo sua presença tornou-se um vício.
Na hora do almoço, certo dia, preparou algo que encontrou no congelador. Pôs em banho-maria e deixou aquecer lentamente. Serviu-me em um prato fundo, um caldo quente.
Tomei todo o caldo de uma só vez, tão bom era seu sabor; e um calor percorreu-me o corpo, ponta a ponta. Só então perguntei o que era.
Disse-me que não sabia, só havia descongelado a única coisa que havia no freezer, e que concluiu estar guardado há muito tempo. Lembrei-me na mesma hora o que havia lá, mas já era tarde, o amor escorria e circulava dentro de mim.