quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Deletério


De tudo aquilo que se pode oferecer do amor, o ciúme deve ser o mais deletério. É o que deve haver de menos nobre nisso tudo. Um gostar errado, egoísta, censurável, prisioneiro.

Ofereço aquilo que eu acredito ser a maior expressão do amor, a liberdade.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Bom dia, eu te amo!

Porque ela era proibida, eu fingia que dormia. Frente a ela, cara a cara, eu espiava com os olhos entreabertos. Não que eu fosse boa em disfarçar, porque a esse ponto todo mundo já sabia daquilo que eu ainda negava. Mas se eu tinha alguma chance, então eu ia tentar, desafiando a boa moral.

Se no dia seguinte voltei ao mesmo quarto, foi por sentir-me tomada por ela. Incontrolável, irreprimível.

Qualquer coisa se tornava desculpa para encosta-me a ela. Acarinhava seu cabelo, estralava-lhe os dedos, entrelaçava as pernas em um jogo qualquer. Se ela sentia sede, embriagava-lhe de vinho, sem maldade, desejo puro. Puro desejo, DOIDO desejo.

Quase manhã, quando desistimos de tudo. Porque já não cabia em mim, porque já não era eu, porque me perdi nela, porque me encontrei nela; cedemos. Bom dia, eu te amo!

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Aos meus amigos – Ou sobre como eu tenho sorte nessa vida

 

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Amigo é uma coisa divina. Daquelas coisas que fazem a gente olhar pra si mesmo e dizer: “Bicho, esse cara faz a minha vida valer a pena!”

Eu tenho alguns, que escolho a dedo. Quando eu olho pra eles, eu penso que nada faria sentido se não pudesse dividir um sorriso, um soluço, uma cerveja, um porre.

Eis que hoje eu entendi porque é que eu os amo tanto… Porque são puros, com uma docilidade quase infantil; porque são sinceros, e se doam àquilo que acreditam; porque são amáveis, e amam sem censura nem limites nem ressalvas ou coisa que o valha.

Cada amigo meu vem de um lugar. Um mais longe que o outro. Cidades que nem limite fazem entre si. Mas todos eles carregam uma coisa em comum (além muitas vezes de dividirem o mesmo nome), que não sei o que é ao certo, mas que me faz sentir sempre perto, sempre junto, sempre como que envolvida por um braço apertado.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Capítulo XXI

"- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.” Saint Exupéry, Le Petit Prince.


Odeio quando faz isso. Odeio quando me faz feliz desde as três horas da tarde, porque me dizes que vem, e me faz contar cada segundo para às quatro, e então... não vens.
Odeio preparar o coração, e não descobrir felicidade alguma. E você faz isso tantas vezes...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Domingos

domingo chorei de medo. mais tarde cometi um erro ridículo e ri muito.
experimentei café e pedi só porque tinha um nome bonito.
joguei boliche e como sempre perdi. comi açaí e tive dor de barriga.
nenhuma novidade.
eu sempre choro, erro, rio, inovo, me engano, perco, me dano.

tudo estranhamente normal. daquele jeito chato que deixa o domingo com cara de domingo.

sábado, 7 de novembro de 2009

Delírio


Um dia ainda encontro explicação pra essa vontade louca, que vem do nada...

É só varrer a casa e subir aquela poeirinha, que eu logo penso na poeira que tem embaixo do taco. Sim, aquela poeira perdida embaixo dos tacos soltos no chão. Só de falar, salivo! Melhor que o cheiro dela, só o cheiro do chão da estação do metrô aqui perto. Um cheiro de borracha empoeirada...


Joguei no Google essas duas vontades, só pra ver se alguém já sentiu algo parecido, e tristemente acho que ninguém no mundo me entende... nenhum resultado ao menos parecido com esse doido desejo.


O dia que eu engravidar, me amarrem na cadeira, porque eu vou lamber o chão do metrô!!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Inevitável

As vezes se fuder é inevitável. Você pode falar a verdade, ou pode omitir, mas as vezes se fuder é inivitável.
E só o que cabe nessa hora é paciência, porque você não teve a sorte de nascer perfeita.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Blá blá blá

Eu não sei voar, não falo francês, não voei nunca de balão.
Eu não caibo em mim, não sou daqui, não sei mentir.
Não jogo nada bem, nem faço nada com perfeição.
Não canto bem, nem sei dormir.
Eu sou a negação.
Não sei dançar, não sei sentir.
Não sei perder, não sei compor.
Não sei mandar, não sei fingir.
Não sei escutar, nem lhe dar com a dor.

Tudo que eu sei, é reclamar. E isso eu faço bem.
E ainda que isso me irrite, só faço enquanto o sono não vem...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Abandono

E eram os olhos mais lindos e mais tristes que um dia eu já vi. Clamavam por liberdade, mas temiam o abandono. Bilhavam sob a luz do sol, enquanto escondiam o medo e a insegurança, que suas pernas trêmulas denunciavam.
Ora ela se encolhia inteira, ora ela pulava e tentava fugir. Queria muito um afago, mas temia o toque. A vida até há pouco não lhe tinha sido justa e ela precisava urgentemente de um lar.
Merecia antes de dormir, um carinho atrás das orelhas; ao acordar, um jardim onde pudesse correr e rolar na grama. O dia todo à sua disposição ela merecia um pote transbordando de água limpa e outro até a boca, cheio de ração.
Era só uma cachorra, recolhida pelo centro de zoonozes, esperando a adoção.
Enquanto isso, esperava sem saber, por cada domingo que pudesse sair da baia, e caminhar pela terra, com mais outros quatrocentos vira-latas...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Dos desejos - Ou daquilo que merece ser feito



Então esta é mais uma noite insône.

Eu abro a janela e respiro fundo, como que tentando engolir todo ar gelado que entra de sopetão.

Gosto bom de vazio, de cidade fantasma. Ninguém na rua. No céu, nenhuma nuvem. Estrela tampouco.

E se mais uma vez o sono não vem, eu continuo sonhando com tudo aquilo que traz a sensação de vida. Um salto de pára-quedas, um vôo dentro de um balão. Uma viagem longa à Paris, pra me perder e não entender um A do que as pessoas possam estar dizendo. Show do Chico Buarque, um cão caramelo para fazer carinho enquanto balanço na rede.

Pensamentos dispersos, de coisas diversas... que me deixariam feliz. Pelo menos por agora.


Parei pra pensar que pelo menos há uns treze anos eu não bebo café. Desde que meu pai apagou a bituca de cigarro dentro da xícara, e eu bebi café com cinza, sem ver. Ontem foi aniversário dele. Não do café, do meu pai. Então, já que o sono não vem, pensei mesmo em tomar uma xícara de café, só pra lembrar um gosto que eu não sei mais como é.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sobre o dia em que eu me matei - Ou como me reinventar

Hoje eu me matei. Não doeu, mas senti um pouco de medo.
Agora vou nascer outra vez e me reinventar. Ainda e sempre torta, ainda e sempre na contra-mão, em direção ao caos...
Boas vindas pra mim!

Sobre o hoje e o nada

São só dias ruins, tudo bem.
Eu tenho ruas preferidas e ruas que eu não gosto, então caminho por elas, recortando a cidade a pé em ziguezague, só pra olhar os prédios frios e uns sorrisos amarelos. Passeio com meu cachorro imaginário. E eu que nem fumo, acendo um cigarro só porque o dia cinza pede que seja assim. No fundo tem uma certa graça em ser tão deprimente.
Na bolsa, carrego alguns quase trinta livros que não me deram respostas, e procuro um lugar onde possam pagar por eles. Ando até um pouco torta, porque agora eles me pesam no corpo, o que já também pesaram na alma.
O cachorro pára para cheirar uma árvore e eu me abaixo para amarrar o tênis. Então ele me dá uma lambida e encosta seu nariz gelado no meu rosto. É bom ter um cachorro! Ele me faz rir quando nada mais faz sentido. Ainda que seja uma lambida, um cachorro e uma risada imaginária... Que é que tem demais? O sentido das coisas também não é real...
Então não, não vou vender mais meus livros. Aliás, entra quietinho aqui Cão, tenta não deixar que te vejam. Vamos comprar mais livros. Quem sabe algum deles traga aquelas velhas respostas.
Prateleiras, prateleiras, prateleiras. Sobre elas, livros, livros, livros. Entre elas, pessoas, vazios, pessoas. Todo mundo procurando alguma coisa, e nem se sabe o quê.
Ah não! Você não podia esperar para fazer xixi lá fora? Tanta árvore na rua, e você vem mijar exatamente dentro da livraria?! Ah Cão, como você me diverte!
E aí a gente volta pra casa, sem vender livro nenhum, sem comprar livro nenhum, sem trazer resposta alguma. Passa no mercado e traz um vinho pra casa. No caminho descobre que quando crescer, quer ter uma floricultura.
Em casa, senta na rede, acende um cigarro, bebe um copo de vinho (um copo medíocre, nada de uma taça de vinho) e faz carinho no cachorro, deitado nos pés, enquanto imagina uma linda floricultura, numa cidadezinha no subúrbio da França, com tijolinhos na entrada e o cão deitado perto da porta, abanando o rabo feliz pra poodle que passa na rua.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Tudo dito

Tudo dito por um estranho que sabe mais de mim, do eu mesma.
Caio Fernando Abreu escrevendo outra vez aquilo que eu sinto, não me deixa mais nada a dizer.
Lá vai ele:

Vai Passar

Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca ...

(Caio Fernando Abreu)

domingo, 4 de outubro de 2009

Despedida

Uma coisa revirando por dentro. Uma ânsia saltando-lhe a boca. Uma vida inteira pela frente. E ela não queria nada. E esperava tanto.
E nunca sabia explicar o que era exatamente “o vazio”. Nunca se fez entender quando contava sobre o nada que lhe atormentava.
Sentia-se sozinha, e detestava sentir-se assim. Na verdade, tinha um certo orgulho em não ser daqui, em não se encontrar naquilo; mas sabia que era desleal sentir-se só, com tanta gente ao seu redor.
Então, às vezes saía por aí, caminhando sem rumo, indo sozinha aos seus lugares preferidos, só pra ser mais justa e verdadeira com aquela sensação vazia (vadia) que lhe invadia a alma. Porque sabia que era injusto sentir-se vazia, com tanto movimento e tanta gente sacudindo-lhe os ombros.
Mas nascera cansada, e por mais nova que fosse, sentia-se velha; como se anos lhe pesassem n´alma, como se vidas lhe custassem cada alegria.
Não era daqui, disso tinha certeza. Mas tinha certo orgulho. E a vaidade lhe corroia por dentro. Porque sabia: não era daqui.
E esperava sempre que alguém viesse buscá-la. Esperava sempre o dia em que iria embora. Esperava sempre o momento em que ser, não pesaria tanto; e que o passar dos dias, não lhe doesse como a última mordida em algo bom.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Pretensão

Era pretensiosa. Queria da vida o que de melhor ela tivesse.
Queria vasos sempre com flores, domingos sempre de sol e noites sempre estreladas.
Queria sorrisos e olhos brilhantes, queria o frio na barriga e a curiosidade andando sempre com ela, para que o tédio nunca se aproximasse.
Queria paredes com muitas fotos, travesseiros macios e lençol sempre esticado.
Dos amores, queria que fossem sempre amáveis, e que sempre houvesse uma música que soubessem contá-los.
Não queria nunca a metade de nada. Não se contentava com partes, pedaços ou sobras.
Não queria meias-certezas, meias-verdades, meios-amores...
Mas como eu disse, ela era pretensiosa. Porque nada é sempre assim, e não dá pra esperar sempre o melhor das coisas.

Desencontro

Uma vez conheci uma menina que veio de longe. Ela não entendia exatamente como as coisas funcionavam por aqui, achava que tudo estava meio errado. Mas isso não era um problema, queria muito mudar mundo e se divertia com isso.
Ela acreditava que algo bom estava sempre prestes à acontecer e gostava de cada novo dia. Não importava o que dissessem, ela seguia em frente, porque sabia que era capaz de qualquer coisa. Sabia que era maior que qualquer deslize, e podia corrigir o que quer que fosse.
Por vezes ela se exaltava discutindo sobre seus ideais, e ainda que muitos a chamassem de utópica incorrigível, ela dava sua vida pelas causas que acreditava valerem a pena. Não desistia nunca, de nada. Tampouco se cansava de acreditar na vida, no amor, na política.

Um dia, não sei exatamente quando, ela foi embora ou a gente só deixou de se encontrar e eu nem percebi. O que sobrou, desde então, foi só o tédio e uma descrença em qualquer coisa que exija esforço ou leve tempo.


As vezes eu me esqueço de quem eu fui um dia.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Crepúsculo

Não li o livro, e nem achei o filme tão bom assim. Mas hoje na aula de roteiro a professora leu pra gente alguns pedaços... Gostei mais desse:
"Quando a vida lhe oferece um sonho muito além de todas as suas expectativas, é irracional se lamentar quando isso chega ao fim"

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

C.F.A.

E se por vezes insiste em voltar aquela sensação vazia, e ninguém entende o que eu tento gritar, eu peço ajuda ao Caio Fernando Abreu. E ele traduz pra mim, o que o nó no peito não me deixa dizer...

"Tento me concentrar numa daquelas sensações antigas como alegria ou fé ou esperança. Mas só fico aqui parado, sem sentir nada, sem pedir nada, sem querer nada." (C.F.A.)

sábado, 26 de setembro de 2009

Antítese

Tudo o que a gente faz pra negar esta vida ordinária, só reafirma o vazio que ela nos traz...

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ganhei o dia!

Dá vontade de escrever sempre, só pra poder ler os comentários engraçados que só a minha irmã sabe fazer.
E olha que me fazer rir, é tarefa difícil...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Uma aspirina e um copo d´água

O meu mundo tem andando bem estranho ultimamente. Não que antes ele já não o fosse...
É que a vontade de dormir não dá mais pra chamar de sono, é só uma vontade de não ver o tempo passar. O sono mesmo não tem feito muitas visitas por aqui.
A fome também parece que se esquece de aparecer. A preguiça e o tédio são os únicos que têm passado por aqui. E qualquer coisa que interessante que apareça por aí, não vale a pena.
A cabeça anda doendo mais que o normal, e os dentes andam sempre cerrados ou rangendo como botas velhas.

Um comprimido.
Dois comprimidos.
Três comprimidos.
Nada adianta. Estou deprimida.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Receita Caseira

Tédio.
Vazio.
Solidão.
Falta de sentido.

Misture tudo até formar uma massa homogênea e está pronto para servir. Tenha um bom dia nublado.



Nunca vi alguém que, morando sozinho, quisesse fugir de casa...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Parte II


Já não me lembrava a última vez em que eu senti esse vazio tão grande batendo à porta.
Tédio é tão comum quanto querer continuar dormindo quando toca o despertador. Mas esse vazio rasgando a carne e atormentando a alma, fazia tempo mesmo que não me incomodava.
Pode ser por tanta coisa, e pode ser por nada, mas quando a segunda metade de cada ano vai escorrendo e o calendário ficando com menos folhas e mais “X”, o nada cresce com força de tempestade...

Fora de Órbita

Olhavam espantados para o céu, sem conseguir dar nenhuma explicação lógica para aquele fenômeno. A cidade inteira se esgueirava no alto de prédios, se amontoava em observatórios, se espremia em planetários; todos a fim de ver algo único, sem precedentes...



Um olhar desatento diria que eram gêmeas idênticas. De fato eram filhas do mesmo pai, e nasceram do mesmo calor. Mesmo assim, desde sempre ela soube que eram diferentes. Tinha ainda outros sete irmãos, talvez seis – já que tempos depois passaram a dizer que o último era ilegítimo -, e uma grande família sempre em expansão.
Sentia-se um pouco estranha, tinha a impressão que o tempo demorava demais para passar, e se sentia presa a uma força invisível. Seus dias eram duzentos e quarenta e três vezes mais compridos que os dias de sua irmã Gaia. Enquanto todos seus irmãos se deitavam virados para a direita, ao anoitecer, antes de dormir, ela era a única a se deitar para a esquerda.
Onde quer que passasse, inspirava amores e era sempre reconhecida por sua beleza. Ainda assim, sentia-se sozinha. Seu corpo queimava como brasa, 460°C.
Vênus não achava justo que seus irmãos e irmãs, tivessem junto de si, uma ou várias luas, para lhes acompanhar e fazer companhia. Somente ela e seu outro irmão, a quem era mais próxima, eram sós.
Queria alguém com quem pudesse passar seus longos dias, e às vezes achava tudo aquilo sem propósito, como se andasse em círculos. Foi quando com grande esforço, Vênus saiu de seu caminho habitual, cansada de fazer a milhões de anos-luz a mesma órbita-caminho, e vagueou pela cidade-galáxia vizinha, sem rumo, sem pretensões.
Vagueou tentando se deixar levar, e se desprender de tudo o que já vivera antes. Deixou-se levar pelo magnetismo estranho que a puxava forte, arrastando-a por entre estrelas e super-novas. O que encontrou, foi sua outra metade Vênus, habitante de um mundo paralelo ao seu. Foi assim que se descobriu feliz.
As duas Vênus deram-se as mãos e saíram à toa pelo universo, livres de suas órbitas circulares, flutuando lado a lado. E lá da Terra, olhares assombrados de seres minúsculos acompanhavam a passagem delas pelo céu, enquanto as duas Vênus sorriam satisfeitas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Sobre a noite - Ou como é bom dormir ao lado dela



Dormir sempre foi tarefa simples. Bastava repousar a cabeça sobre o travesseiro e se entregar ao cansaço acumulado de mais um dia. Além de reconfortante, era uma forma de me desligar do mundo todo.
Quando ela chegou, dormir já era coisa diferente; não era mais fechar os olhos e apagar. Dormir era coisa mágica...
Cair no sono, só depois de conversar um pouco, fazer planos de um futuro bom, dividir medos e segredos. Só depois de se encaixar como duas colheres e ganhar um abraço apertado.
Adormecia só quando os olhos já não conseguiam ficar abertos, não resistindo ao conforto de ter um lugar em seu braço.
E esta noite, sem ela, dormir parece lembrança distante. A cama de solteiro é um imenso deserto frio, e a chuva que cai lá fora enche o quarto de tédio. Meus pés procuram outros pés para se enroscar embaixo da coberta que não aquece.
Atravesso a noite, sem sono, revirando sobre a cama, sentindo saudade da respiração dela soprando minha nuca.

domingo, 16 de agosto de 2009

Sereníssima - Legião Urbana

Sou um animal sentimental
Me apego facilmente ao que desperta meu desejo
Tente me obrigar a fazer o que não quero
E você vai logo ver o que acontece.
Acho que entendo o que você quis me dizer
Mas existem outras coisas.

Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade,
Tudo está perdido mas existem possibilidades.
Tínhamos a idéia, mas você mudou os planos
Tínhamos um plano, você mudou de idéia
Já passou, já passou - quem sabe outro dia.

Antes eu sonhava, agora já não durmo
Quando foi que competimos pela primeira vez?
O que ninguém percebe é o que todo mundo sabe
Não entendo terrorismo, falávamos de amizade.

Não estou mais interessado no que sinto
Não acredito em nada além do que duvido
Você espera respostas que eu não tenho mas
Não vou brigar por causa disso
Até penso duas vezes se você quiser ficar.

Minha laranjeira verde, por que está tão prateada?
Foi da lua dessa noite, do sereno da madrugada
Tenho um sorriso bobo, parecido com soluço
Enquanto o caos segue em frente
Com toda a calma do mundo.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Cada coisa em seu lugar


Não avisou que viria e ainda caminhou até aqui com passos silenciosos. Quando chegou me pegou de surpresa, desprevenida. Eu andava meio cansada e há tempos não colocava as coisas em ordem.
A porta estava trancada e eu mal me lembrava onde tinha largado as chaves. Mal me lembrava a última vez que tinha aberto aquela porta.
Entrou sem pressa pela fresta da janela e a abriu por inteira, deixando a luz do sol inundar tudo.
Trazia rosas nos braços, e as espalhou por todos os cantos. Invadindo cada espaço vazio e preencheu com perfumes coloridos.
Começou a colocar cada coisa em seu lugar. Tirou as cortinas que faziam perderem-se os sorrisos. Recolheu debaixo dos tapetes os restos de amores vazios que se escondiam por lá. Esvaziou as garrafas, que guardavam doses de solidão. Pendurou nas paredes, momentos felizes, que lembraria pra sempre. Desatou as pedras que prendiam meus pés e sonhos ao chão.
Seus braços traziam também um lugar pra mim...
Todos os dias, pela janela aberta, como se lá dentro fosse festa, entrava dançando uma brisa leve.
Assim, cada dia tornava-se menos áspero e sorrir tornava-se mais fácil. Em pouco tempo sua presença tornou-se um vício.
Na hora do almoço, certo dia, preparou algo que encontrou no congelador. Pôs em banho-maria e deixou aquecer lentamente. Serviu-me em um prato fundo, um caldo quente.
Tomei todo o caldo de uma só vez, tão bom era seu sabor; e um calor percorreu-me o corpo, ponta a ponta. Só então perguntei o que era.
Disse-me que não sabia, só havia descongelado a única coisa que havia no freezer, e que concluiu estar guardado há muito tempo. Lembrei-me na mesma hora o que havia lá, mas já era tarde, o amor escorria e circulava dentro de mim.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Fim

A gente sabe que tudo é transitório, efêmero, que dura menos tempo do que gostaria. Que todas as coisas são temporárias. Mesmo assim, muitas coisas deixam um vazio imenso quando terminam.
Obrigada por colorir meus dias durante este pouco tempo, e por enfeitar minha vida com beijos e carinho.
Desculpe-me por ter sido outra escolha ruim, e espero que depois de tantos “relacionamentos de bosta” você encontre alguém que te faça feliz. Nada do que eu disse foi mentira, nunca. Por isso, não precisa devolver “minhas mentiras”, foram sinceras todas as vezes que um “eu te amo” saltou-me a boca e foi cair direto em teus ouvidos. Nunca diria isso à toa.
Quanto a minha grosseria, eu sabia que você cansaria dela. Desculpe-me outra vez, sou assim, e se sou grossa, é porque não deixo de dizer o que penso e sinto, mesmo que isso possa magoar quem eu amo.
Porque te amo, respeito sua decisão. Apenas espero que se em algum momento se lembrar de mim, lembre de momentos bons.
Vou sentir saudade, como já sinto desde que você apareceu, porque sabia que um dia você iria embora.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Minha natureza

Em pouco tempo ela vai cansar do meu jeito explosivo e de toda a minha grosseria. Vai enjoar de mim e cansar de ficar comigo.
Não vai mais querer me ver, não vai atender minhas ligações, nem responder meus e-mails.
Eu vou ficar triste, vou chorar, vou sentir saudade. Vou pensar nela todos os dias, em casa música. Vou olhar fotos e mensagens de dias atrás.
E vou continuar sendo explosiva e grossa, porque esse é meu jeito.
Mesmo meu jeito de amar...

Sobre o que eu penso do Amor


Alguns dizem que amor é um fenômeno biológico, outros mais descrentes dizem que é social. Seja como for, nasci nestas condições: sociedade capitalista, ocidental, pós-moderna... fruto do que por aqui chamam de amor.
Se eu amo um homem ou uma mulher, não muda nada. Faz diferença quando a gente se sente feliz e completa? Para mim isso é muito simples: Eu amo e isso vai muito além da questão de gênero.
É uma pena que ainda hoje, num mundo tão tosco, a felicidade ainda não esteja acima de qualquer preconceito.
É uma pena a gente não poder contar para nossos pais porque nossos olhos têm tanto brilho.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Bolhas

Esfregou as mãos com um pouco de água e sabão. Assoprou , e viu nascer uma bolha de sabão. Colorida. Soprou um pouco mais.
Naquele sopro, pôs dentro da bolha um desejo: pediu que algo mágico acontecesse em sua vida.
No fim da tarde, aconteceu! Tudo foi mudando de lugar. Seu mundo foi virando de ponta-cabeça. Tudo se transformou.
Saiu o sol, e os dias se encheram de luz. Com seu calor, secaram os espinhos, e deles, nasceram flores. Surgiu a cor, e o cinza do céu se abriu em sorriso num arco-íris, cheio de brilho.
Até um cachorro invisível cor de caramelo, com orelhas compridas apareceu nesse mundo... E ele gostava de correr atrás de pombas.
E de repente, a dona daquele mundo não teve dúvida... Sabia que a garota que chegava agora naquele mundo carregava toda a mágica do mundo dentro de si, com sabor de acerola. Nela, dançava um arco-íris, que passeava todas as manhãs pelo seu corpo.
Juntas, sopravam bolhas de sabão todos os dias...

domingo, 17 de maio de 2009

"É como uma saudade de um tempo que ainda não passou..."

Às vezes não é por tristeza que eu choro...
É raro, mas acontece algumas vezes de eu me sentir tão inteira - tão completa! - que não cabe em mim tanta felicidade.
E se eu choro, é por medo de que seja efêmero.
Desde que ela chegou, todo o mais é nada. E sinto preguiça de qualquer outra coisa que não seja admirá-la...



"O mundo parece-nos muito vazio, se só pensamos em montanhas, rios e cidades…, mas se há alguém, em algum lugar, que pensa em nós e sente como nós e que, apesar da distância, está perto em espírito, então a terra converte-se num jardim habitado." Goethe


sexta-feira, 15 de maio de 2009

O que vale a pena


Segue meu comentário do último post do Rafael <http://lettera35l.blogspot.com/2009/05/querido-vestibulando.html> , que inevitavelmente me saiu como um desabafo...


"Por isso o segredo é não se frustrar...

Com o tempo, vc descobre que não é o nome ou a tradição da faculdade que te garantem o sucesso. E talvez, que a faculdade mate tudo o que existe de poesia dentro da gente, com todas as suas fórmulas e receitas de como é que se deve ser e pensar...

Mais uma forma ridícula de doutrinar e repassar conhecimentos técnicos e teóricos... nada que realmente salve o mundo ou faça a vida valer a pena.

O que é realmente bom do tempo de universitário, é o que a gente faz FORA da faculdade, os amigos que a gente conquista e o que a gente aprende quando cansa de tentar aprender o que disseram as grandes personalidades (que sempre disseram frases bonitas, cheia de coesão, coerência - seja lá mais o que for preciso para ser um intelectual - mas que nunca fizeram nada realmente admirável na vida. Nunca deixaram de ser como seus pais, miseráveis, reacionários...)

Tenho muito medo de ficar assim!


Te amo.


Que a incerteza, a incoerência e a inconstância estejam sempre conosco, e nos salvem do futuro medíocre que nos espera depois de formados conformados.


Bjos"

domingo, 19 de abril de 2009

Não sei se o mundo é bom...


"Não sei se o mundo é bom,
mas ele ficou melhor quando você chegou..."


domingo, 12 de abril de 2009

Tudo outra vez...

"Eu não sei se ela sabe o que fez, quando fez o meu peito cantar outra vez..." Chico Buarque

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Heloísa – Ou sobre como levar uma vida poética

Escrevi um e-mail para Ela e perguntei se me encontraria qualquer dia desses. Seriam só quinze minutos, o dia que Ela pudesse. Dei-lhe uma explicação rápida, para justificar porque depois de meses sem notícias suas, eu resolvi encontrá-la.
Resolver, não é bem a palavra. Ensaiei na minha cabeça todos os dias, uma forma de convidá-la para sair, mesmo que fosse pela última vez. E todas as vezes eu desisti de levar a idéia a diante, porque depois das últimas vezes que nos vimos, Ela já deveria ter a certeza do meu alto nível de insanidade.
Aparecer na porta do trabalho dela, levando presentes vários dias, não devia parecer coisa de gente sã para Ela.
Então eu escrevi que queria lhe entregar algumas coisas que me lembravam Ela, e quem sabe depois, eu conseguiria tirá-la da minha cabeça. É claro que tanta coragem não veio do nada. Um pouco de cerveja - no bar aqui atrás da rua de casa, onde nós nos conhecemos e exatamente cinco meses depois do dia D, quando a vi pela primeira vez - fizeram toda a diferença.
Por dois quase-eternos dias eu abri a caixa de entrada do meu e-mail a todo instante, fechando os olhos e prendendo a respiração antes de tornar a abri-los, para ver que a não ser as malditas correntes que mandam a gente repassar para trezentas pessoas; ou as apresentações no Power Point, com frases clichês e imagens felizes, não havia nenhum e-mail que me traria um sopro de vida.
Eu já tinha desistido, e me envergonhado do surto de coragem que havia me tomado o corpo, quando no terceiro dia Ela respondeu, finalmente. Disse que não havia problema, me encontraria. Perguntou quando eu gostaria de encontrá-la. Incrível como a tarde ficou mais ensolarada, e como o mundo pareceu-me mais perfumado daquele instante em diante. O que mesmo estava me chateando no trabalho, antes de ler o e-mail? Não me lembro.Telefonei para Ela assim que cheguei em casa, mas Ela disse que não poderia ser naquele mesmo dia. Quem sabe amanhã... E daí até o "amanhã", as horas resolveram brincar de desacelerar.
Quando hoje já era amanhã, eu mandei uma mensagem pelo celular e perguntei se poderíamos nos ver. Ela respondeu que estava na Rua Augusta, se eu quisesse poderia ir até lá.
Fui tão rápido quanto pude, com o coração que agora já não batia, mas saltava-me dentro do peito. Tão estranho foi o que aconteceu agora: quando cheguei na Rua Augusta, já não sabia mais ir até onde Ela estava. Todos os milhões de pensamentos que se acotovelavam na minha cabeça, devem ter me saído pelas orelhas, porque o que se seguiu foi um vazio branco que me deixou desnorteada.
Precisei ligar para um amigo, que aos risos, foi me trazendo de volta ao corpo e me explicando o caminho até a casa de shows onde Ela estava. Ele não conseguia acreditar que eu, que todos os finais de semana, passava ali, bebia cerveja no bar do lado e tomava açaí na sorveteria da frente, tinha me esquecido como chegar.
Quando a encontrei, Ela estava encostada na parede, com o mesmo ar de tédio e desânimo que me conquistaram. Aquele mesmo ar blasé de superioridade, de quem está perdendo o tempo em estar por ali. Com uma mão, mexia nos cabelos, com a outra segurava o celular.
Foi como se o mundo desabasse para mim, quando ela levantou a cabeça e olhou na minha direção. Cumprimentamo-nos com o "oi, tudo bem?" mais automático do mundo, daqueles que a gente só diz por educação. Eu a abracei, e ela só se deixou ser abraçada; não fez a menor menção de quem ia mover os braços na minha direção.
Eu entreguei à Ela as tais coisas que não me deixavam em paz: um imã de geladeira que eu passei semanas procurando, com o desenho do Tintin; e uma revista, primeira edição, de colecionador, de quadrinhos de super-herói, que ela tem a menina tatuada no braço.
Ela perguntou se eu queria entrar com ela na casa de shows. Eu disse que não, que ia encontrar uma amiga no metrô. E fui mesmo. Já tinha marcado de encontrar minha amiga, porque sabia que eu ia surtar depois de ver minha musa.
Busquei minha amiga no metrô e voltamos caminhando pela mesma Rua Augusta, onde há minutos eu tive a maior catarse de toda a minha vida. Quando passei pelo tal lugar do encontro, ela estava sentada ao lado, sozinha, fazendo nada. Continuamos andando até pararmos na sorveteria do quarteirão de baixo.
Mandei outra mensagem para o celular dela, e a convidei para tomar sorvete comigo. Aquela sorveteria sempre foi a minha preferida, meu cantinho precioso, para onde até então eu só tinha ido com pessoas que tornavam o meu mundo colorido. Uma vez eu pensei em chamá-la para ir até lá, mas me achei uma boba logo depois.
Para o meu susto, ela foi. Não quis tomar sorvete comigo, mas foi até lá. Vai entender porque alguém aceita o convite para ir tomar sorvete, mas resolve não tomar...
Não me vinha nada à mente para puxar conversa. Burra! Essa era a chance que eu pedia há tempos para falar com Ela, e agora não saia nada. Tudo o que eu conseguia era brincar com a calda de morango, espalhando-a pelo fundo do pote e misturando com o sorvete de limão com amora. Enquanto isso ela brincava com o porta-canudinho sobre a mesa.
O ângulo da minha cabeça, totalmente para baixo, como volta um fracassado da guerra, só me deixava ver suas mãos brincando com os canudos. Por sorte minha amiga conseguiu puxar conversa e pensar em um assunto qualquer para dissipar aquele silêncio mortal. Mas não adiantou muito na verdade, depois de minutos o silêncio voltava cortante...
Ela me disse que não precisava ter medo dela, entregar as coisas e sair correndo. Eu só consegui dizer que há muito tempo esperava para poder lhe entregar aquilo. A conversa ficou nisso, nessa não-conversa. No mais, ela me perguntou:
- "Te falei que eu ganhei um cachorro?"
- "Não. Não falou." - eu respondi.
- "É... é que eu não ganhei um cachorro."
Um riso frouxo e amarelo nos escapou aos dentes e isso foi tudo. Duas meninas entraram na sorveteria e Ela as reconheceu. Trabalhavam em um bar que ela costumava freqüentar. Logo as três começaram a conversar. Lembrei de como eu me sentia uma idiota perto dela, sem nada interessante para dizer, nem uma vida poética para oferecer. Despedi-me, peguei minha amiga pela mão e fui para casa me sentindo leve e livre como há cinco meses e quatro dias eu não me sentia.